A Maçonaria e a República de Platão




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Por João Anatalino Rodrigues 

A República, uma coleção de diálogos escritos pelo filósofo Platão no século IV a.C., é o primeiro modelo teórico conhecido de uma sociedade utópica. Dizemos teórico porque entendemos que, antes desse modelo especulativo criado pelo famoso filósofo grego, baseado nas ideias defendidas por seu mestre Sócrates, outra utopia já havia sido tentada na prática: a experiência do Estado teocrático que Moisés havia criado para o povo de Israel. Nesse sentido, podemos dizer que, se Israel foi o modelo operacional que inspirou a Maçonaria, a República de Platão foi o arquétipo especulativo que lhe serviu de base.

Na verdade, a metáfora de que Deus é o Grande Arquiteto do Universo (Tecton) vem de Platão. Sua República (Politeia) é a visão ideal de um Estado político e social perfeito, que vislumbra o sonho de uma vida harmoniosa e fraterna, conduzida com justiça e fraternidade, dominando para sempre o caos causado pelas disputas, inveja, ganância e desorganização. Este arquétipo serviu, ao longo do tempo, como matriz inspiradora para todas as utopias sonhadas na história e para a maioria dos movimentos de reforma social que a humanidade conheceu desde então.

A República platônica descreve uma cidade ideal governada por uma elite de políticos e filósofos, cujo único guia é a razão. Todas as atividades econômicas, sociais e políticas dessa sociedade são guiadas pela lógica e pela racionalidade. Essas elites são formadas por meio de um sistema de irmandade, onde os guardiões representam a encarnação da racionalidade pura, e seus discípulos são pessoas dóceis, capazes de compreender e aceitar as renúncias impostas pela razão. Neste sistema, o objetivo principal é aprender a controlar as paixões pessoais e evitar os conflitos que elas causam.

Essa proposição se identifica claramente com o jargão maçônico, que situa a Loja Maçônica como um espaço onde o Irmão busca sabedoria e conhecimento para dominar suas paixões. Nesse processo, os interesses pessoais passam a ser integrados aos da sociedade em geral. Assim, os líderes dessa República, uma espécie de filósofos dotados da maior sabedoria, acabam sendo a perfeita tipificação do demiurgo terrestre, uma projeção do Tecton, o Grande Arquiteto do Universo. Seu líder é, portanto, uma espécie de Grão-Mestre, detentor do conhecimento supremo.

O Ideal Platônico e sua Conexão com a Maçonaria 

O ideal platônico centrava-se numa ideia muito popular na tradição grega da época, especialmente nas cidades-estado: um Estado onde a democracia fosse o sistema de governo dominante. Esse ideal tinha suas raízes espirituais ancoradas principalmente nos Mistérios de Elêusis, uma tradição religiosa grega que combinava objetivos religiosos — homenagear a deusa Ceres, protetora da agricultura — e objetivos seculares, destacando os “escolhidos” da sociedade ateniense. Os iniciados nos Mistérios de Elêusis formavam uma elite intelectual, política, econômica e militar.

Contudo, o trabalho manual não era valorizado na cultura das cidades-estado gregas, e os trabalhadores e artesãos, em geral, não eram considerados cidadãos plenos. Para Platão e seus discípulos, o “homem universal” da esperança maçônica se materializava no filósofo cidadão, que não precisava trabalhar para viver e podia se dedicar à contemplação e à busca da verdade. Isso revela o caráter altamente elitista do ideal platônico.

Lei, Justiça e a Construção do Estado Ideal 

Os diálogos da República começam com o sofista Trasímaco defendendo que o uso da força constitui um direito do Estado, e que a justiça é o interesse dos mais fortes. Em seguida, Sócrates, dialogando com Glauco e Adimanto, propõe que a justiça é o resultado de relações harmoniosas entre os indivíduos e depende da organização social. Cada cidadão, segundo suas habilidades e qualidades, deve desempenhar seu papel na sociedade. A partir dessa ideia, Platão desenvolve os fundamentos de sua República. O homem ideal seria simples, trabalhador e virtuoso, evitando luxos e prazeres excessivos.

Platão imagina um sistema em que as crianças seriam educadas pelo Estado e não pela família, aprendendo a amar a virtude e a rejeitar os vícios. Esse modelo, segundo a Maçonaria, é descrito como “construir templos para a virtude e cavar masmorras para o vício”.


Críticas e Influências 

A República de Platão é frequentemente criticada por seu caráter elitista e pela ideia de que a educação deveria ser exclusivamente estatal, algo que regimes autoritários no século XX adotaram, como os de Hitler e Stalin. No entanto, essas ideias devem ser entendidas no contexto histórico e cultural em que Platão viveu. Sua inspiração veio dos Mistérios de Elêusis e da democracia ateniense, que, na época, beneficiava apenas a elite.

A alegoria da caverna, uma das passagens mais famosas da obra, ilustra como nossos sentidos são limitados na percepção da realidade. Essa metáfora se alinha com o simbolismo maçônico: o mundo profano é como a caverna, onde os indivíduos vivem na escuridão. A iniciação maçônica é comparável à libertação e descoberta da luz.

 

Conclusão 

A República de Platão aborda temas que ressoam profundamente com as preocupações da sociedade moderna: educação, política, moralidade e o ideal de fraternidade. Apesar de suas conotações controversas, a obra é o arquétipo de todas as utopias concebidas posteriormente e contém ideias fundamentais que orientam a prática maçônica. Por isso, Platão é um dos pilares da sabedoria maçônica.

Conhecer sua República é, portanto, essencial para compreender a Maçonaria e sua busca pela construção de uma sociedade mais justa e virtuosa.



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