Batalhas Invisíveis

Por Hilquias Scardua

Guerreiros, não se esqueçam: algumas batalhas são travadas no invisível, em silêncio e, muitas vezes, em níveis que já ultrapassamos.

No contexto de um mundo onde coexistem gerações, de um lado temos a frenética marcha do mercado e da tecnologia, que expandem suas dimensões de forma imprevisível. Enquanto isso, guerreiros fortes, aptos a batalhar em campo, se veem insensíveis ao que não é palpável. A reflexão me leva a revisitar as memórias, evocando dilemas como os de Diderot, a poética condição sugerida por Saramago em Ensaio sobre a Cegueira e, até, a imersiva jornada cinematográfica de Lilly e Lana Wachowski em Matrix.

Foi, no entanto, em uma conversa amistosa com um Irmão e amigo que percebi a verdadeira dimensão das batalhas invisíveis.

No momento em que entendi que não enxergava a luta que ali se desenrolava, vi um guerreiro sucumbindo, suas forças drenadas, sendo conduzido à morte em vida. A depressão e suas angústias, assim como outros males e vícios, são armas silenciosas que seguem abatendo muitos guerreiros.

Enquanto eu ouvia as palavras do amigo, notava o quão cegos podemos ser. Cegos pela superficialidade da existência física, não conseguimos enxergar a realidade que nos cerca. Enquanto ouvia os relatos de dor, me perguntava: em qual dimensão eu deveria estar alerta? Com quais "olhos" deveria observar a vida e todos à minha volta?

Lembrei-me de tantas citações clichês, de passagens de diversos livros sagrados, tentando encontrar palavras para alentar o guerreiro abatido. Mas, à medida que eu falava, percebia que nada do que eu dizia parecia ter sentido ou poderia realmente fazer diferença. Então, coloquei-me diante da batalha, mesmo sem enxergar completamente o campo ou a estratégia do inimigo.

Eu estava presente, consciente e atento a cada palavra, a cada exposição de dor. Relembrei o luto, a perda, a insegurança, a solidão, e tantos outros pesos que eu mesmo já havia enfrentado. Sintonizei-me com o instante frágil e lembrei de muitas ferramentas simbólicas que encontrei ao longo de minha jornada maçônica.

No entanto, percebi que todas as armas que eu havia juntado e aprimorado só serviam para mim. Não havia mais nada que eu pudesse dizer. Evocar a fé e direcionar a esperança foram as únicas armas sensíveis e invisíveis que eu tinha a oferecer.

Já exausto de tantas batalhas, o guerreiro diante de mim havia perdido a fé, abandonado a esperança e seguia angustiado em seu silencioso abismo de dor.

Enquanto ouvia o monólogo de dor, inúmeras reflexões me atravessaram. Revisitei elementos densos de passagens que, em certos momentos de minha vida, haviam me ajudado a romper bolhas de consciência e expandir os limites dos pensamentos que eu tinha na fase juvenil de minha mentalidade.

O "improviso de Ohio" tornara-se uma sentença para mim. Não ter o que dizer era uma afronta à minha maturidade espiritual e à minha capacidade de auxiliar. Contudo, perseverante, ofereci minha companhia por horas a fio. No fim, era o que eu podia oferecer.

As batalhas invisíveis, no entanto, não se limitam ao emocional. Elas também se manifestam em outras esferas — social, espiritual e intelectual. Há lutas travadas em corações que parecem ser firmes, mas estão em ruínas silenciosas. Existem guerras invisíveis em sociedades que aparentam estabilidade, mas que abrigam desigualdades gritantes. O campo espiritual, muitas vezes negligenciado, também é palco de combates intensos, onde a perda de fé, propósito e conexão interior pode ser devastadora. Até no plano intelectual, podemos nos ver sufocados pela ignorância disfarçada de sabedoria, incapazes de discernir as verdades mais profundas por detrás das superficialidades cotidianas.

Não se trata de uma solução mágica, de uma exortação ou de um manual para lidar com a dor alheia. Trata-se de um ponto de reflexão: o que podemos realmente oferecer quando enfrentamos as batalhas invisíveis, e o quanto estamos preparados para elas?

Entretanto, vejo o fio se romper, a trama invisível se manifestar e, certo de minha inapta condição, pude dizer: essa luta é nossa; enfrentaremos juntos. A armadura fraternal me apareceu, e o elmo da compaixão eu vesti. Não servia para o outro guerreiro, mas me permitiu lutar ao lado dele, numa batalha para a qual eu precisei me dispor.

 

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